ARTIGO

ROTEIRO DE CINEMA E CENA DRAMÁTICA:
considerações sobre a experiência da escrita

Sérgio Puccini


Esse artigo é uma extensão de capítulo publicado em livro do autor intitulado:
Roteiro de Documentário: da pré-produção à pós-produção
(Editora Papirus, 2009)


RESUMO
Esse artigo analisa aspectos ligados à experiência da escrita do roteiro cinematográfico partindo daquilo que seria sua menor parte: a cena dramática. Ao longo do artigo são levantados alguns aspectos ligados à funcionalidade da cena dramática dentro de um roteiro de cinema, em que citamos as concepções de alguns dos manuais de roteiro, bem como comentamos a relação, que nasce já no texto do roteiro, entre palavra e imagem. A análise situa o processo da escrita do roteiro dentro do campo das escritas dramáticas, estabelecendo relações com o texto teatral naquilo que seriam as diferenças entre as duas formas de escrita.

Sérgio Puccini é Mestre e Doutor em Cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Multimeios, IA/UNICAMP.



MUITO embora seja o principal documento para a organização de um produto voltado para a tela, o roteiro de cinema, na forma padrão do roteiro de ficção, se sustenta em um elemento herdado da dramaturgia de palco, qual seja, a cena dramática1. A cena dramática, menor parte na divisão do ato de um texto teatral, vem a ser também a menor parte do roteiro de cinema em torno da qual toda a narrativa irá se articular. A cena é o elemento de continuidade dentro de uma ação maior que se estende além dos limites impostos pelas unidades de tempo e lugar.

No teatro, o recurso da utilização da cena dramática, que quebra a continuidade do ato, marca uma intervenção épica, tipicamente narrativa, dentro de uma forma dramática que tem nos contornos do palco seu elemento de convergência2. Embora freqüente, a livre adoção da cena, sob o impulso de se criar nova localização espacial para a ação, é procedimento de risco no teatro. Atrelada à maior liberdade na condução e apresentação dos eventos da história, liberdade garantida pela livre manipulação do espaço e do tempo da história possibilitada pela inserção de novas cenas dentro do contínuo do ato, está a conseqüente quebra da cadeia dialógica. O excesso de quebras causa o esvaziamento de uma tensão dramática que no drama vem a ser preferencialmente sustentada pela progressão contínua das réplicas e tréplicas dos personagens. A cada nova cena, instaura-se uma nova situação, o que equivale a dizer que uma determinada situação dramática poderá ser alterada ou renovada pela imposição de um artifício narrativo e não por uma evolução orgânica, concebida e insuflada dentro do quadro das motivações e movimentações do núcleo dramático, expressa pelo diálogo entre os personagens. A demasiada quebra da continuidade dialógica reduz a preponderância do diálogo na consumação da tensão dramática. Muito embora as manifestações teatrais não se conformem apenas a um modelo que erige o texto como principal componente do espetáculo, no que concerne especificamente ao texto teatral, o diálogo ainda é o componente principal que distingui a expressão dramatúrgica. É pouco provável encontrar qualidade em um texto teatral carregado por um diálogo sem força expressiva. Para que manifeste sua força, o diálogo dramático precisa de fôlego e de uma duração mínima para um desenvolvimento eficaz. A interrupção da cadeia dialógica vem a ser uma das razões pelas quais a excessiva proliferação de cenas, em um texto teatral, nem sempre encontra boa acolhida por parte do meio a que este texto se destina3. Outra conseqüência da proliferação de cenas no teatro está relacionada com uma especificidade técnica do meio. No teatro as transições espaciais determinadas pelo texto exigem mais da interferência criativa do encenador bem como da máquina teatral, o que ressalta o papel do dispositivo cênico na composição do espetáculo (aqui o risco não é assumido pelo texto mas pela concepção do espetáculo cênico). No cinema, ao contrário, essas transições são assimiláveis de forma transparente pela técnica da montagem cinematográfica que permite uma livre manipulação do espaço no decorrer da ação. Pela possibilidade de acesso aos recursos da montagem, a cena dramática adquiri, no roteiro de cinema, um status que não possui no teatro.


A cena do roteiro


Dentro do modelo dominante de formatação do roteiro de cinema, o início da cena dramática é sempre identificado por um cabeçalho que indica a localização cenográfica e o período do dia em que será realizada a filmagem, conforme vemos no exemplo a seguir:


CENA 2 - TERRENO BALDIO - EXTERIOR/DIA

André sai do supermercado, caminha pela calçada até um terreno baldio ao lado do supermercado. Ele olha para os lados, abre a mochila, revelando uma grande quantidade de dinheiro, notas de cem e cinqüenta. Despeja o dinheiro no chão. Derrama álcool sobre o dinheiro e acende um fósforo. O dinheiro queima.4


Qualquer alteração no tempo e no espaço, ou seja, qualquer quebra da continuidade da ação descrita, determinará o fim de uma cena e o início de outra. A cena é a partícula rigorosamente dramática no corpo de um texto que é, por vocação, narrativo, o texto cinematográfico. Como instrumento de um projeto narrativo, a cena do roteiro de cinema possui uma versatilidade rara se comparada com a cena do texto teatral. Seus formatos e funções se diversificam, podendo incluir cenas sem conteúdo dramático como as cenas de transição, de duração ínfima, que pouco se adaptam às convenções do palco e que servem à narrativa para informar a movimentação dos personagens pelo espaço e/ou pelo tempo da ação.

O tratamento da cena, dado pela maioria dos manuais de roteiro, apregoa, invariavelmente, a necessidade de que esta venha a ser concebida como o núcleo de uma ação dramática maior a ela integrada. A funcionalidade da cena está estreitamente ligada a eficácia de sua força motriz. A cena, como peça perfeitamente ajustada ao grande motor dramático da história, deve levar a história adiante. De Syd Field: “A cena é o elemento isolado mais importante de seu roteiro. É onde algo acontece – onde algo específico acontece. É uma unidade específica de ação – e o lugar em que você conta sua história. (...) O propósito da cena é mover a história adiante.”5 De David Howard e Edward Mabley: “Num certo sentido, uma cena é como uma peça de um ato, que se encaixa na cena anterior e na seguinte para formar o todo. Quando construída convencionalmente (como o são muitas das melhores), a cena tem um protagonista, do mesmo modo que a história completa. Além disso, as melhores cenas têm um objetivo, obstáculos, uma culminância e uma resolução.”6

A rigor, para que seja dramática, é necessário que a cena apresente algum conflito, configurado através do choque de intenções contrárias entre duas ou mais personagens, ou entre personagens e alguma força antagônica. No modelo aristotélico, que prega a adoção da unidade de ação como princípio fundamental para a composição da peça, a cena é uma célula da ação dramática, trás em si elementos dessa ação principal mesmo que não esteja, em um primeiro momento, claramente vinculada a esta, caso típico das cenas que introduzem pistas falsas para enganar o espectador em sua investigação particular a cerca dos rumos da história. A função da cena é fazer a ação avançar. No caso das cenas essenciais, e no modelo aristotélico todas as cenas devem ser essenciais caso contrário deverão ser descartadas, a cena é parte fundamental da ação sem a qual esta não encontrará uma progressão convincente rumo ao clímax e ao desfecho final.7


Cena, palavra, imagem


É na criação e ordenação de cenas dramáticas que se encontra a principal contribuição do roteirista para a construção narrativa do filme. A constatação dessa especificidade no campo de trabalho do roteirista trás consigo um problema central em relação ao papel da escrita do filme que está ligado à relação palavra-imagem. É comum vermos associado a escrita de um roteiro com uma série de descrições de imagens para o filme (muito embora uma peça audiovisual não se resuma apenas ao conteúdo das suas imagens). É na descrição de imagens que se encontra o maior desafio para o roteirista. De fato, o roteiro, para ser cinematográfico, deve se ater apenas àquilo que está ao alcance do olhar, seu texto tem necessariamente de estar submetido a essa condição de descrever sempre alguma coisa que é dada a ver. No trabalho do roteirista, a recorrência a esse universo imagético ocorre em um nível elementar de sugestão de imagens. Grande parte dessas imagens está relacionada a um quadro expressivo dominado pelo ator (que personifica o personagem no filme) e por aqueles objetos de cena com função dramática. Além disso, soma-se a indicação, feita de modo sintético, do cenário onde a ação transcorre. Essa indicação aparece preferencialmente na rubrica inicial que traz a descrição dos componentes básicos da cena: cenário, personagens e suas respectivas ações e disposições espaciais. No caso do exemplo do roteiro de Jorge Furtado citado acima, vemos a movimentação de um personagem, André, por um espaço cenográfico elementar, os arredores de um supermercado no qual se encontra um terreno baldio, e a descrição de sua ação ao se livrar de uma grande soma de dinheiro. No caso dos objetos de cena com função dramática temos a mochila (que serve para esconder o dinheiro), o dinheiro (objeto principal da cena), uma garrafa de álcool e uma caixa de fósforos, todos servindo a ação dramática do personagem. Não temos a descrição de como esse personagem está vestido, seu figurino, qual a configuração exata da fachada do supermercado (se é grande, pequeno, cor da parede, luminoso, etc), de como é exatamente o terreno baldio (se é repleto de mato, mato alto, mato baixo, com lixo, sem lixo, etc), detalhes que vão aparecer na imagem do filme mas que não interessam ao roteiro.

Adotando como referência de análise o modelo de roteiro literário, que antecede a escrita do roteiro técnico, portanto um roteiro que ainda não apresenta descrições de planos de câmera, a cada início de cena teríamos, como ponto de partida na construção dessa imagem mental que guiará a composição do quadro cinematográfico, algo equivalente a um plano geral, também conhecido como plano de situação, que estabelece de antemão o espaço cenográfico para o espectador. O domínio desse plano geral, que está mais submetido à noção de espaço cenográfico do que à de espaço cinematográfico, poderá ser quebrado por uma série de alusões imagéticas contidas no fluxo do texto do roteiro, às quais o diretor normalmente se atém no momento em que está cuidando da decupagem técnica. Retornando novamente ao exemplo acima, dois detalhes principais descritos na cena que poderiam atrair uma atenção especial da câmera seriam a movimentação do olhar do personagem (Ele olha para os lados), que ressalta sua apreensão, e o monte de dinheiro (notas de cem e cinqüenta), objeto que domina toda a cena. Estaria assim contida no texto do roteiro a sugestão de dois cortes que quebrariam o domínio do plano geral ao inserirem dois planos próximos que dariam ênfase no olhar e no dinheiro.

Não cabe ao roteirista fazer uma descrição detalhada de imagens, além de ser imprecisa, a descrição detalhada de cada quadro cinematográfico se estenderia por um número infindável de páginas sem encontrar, ao final, qualquer justificativa para o bom planejamento do filme8. O quadro é outro quando essa sugestão de composição de imagens encontra na descrição de situações, dramáticas ou não, seu ponto de apoio. É na descrição de situações, vivenciadas por personagens, que se encontra o campo de total domínio para aquele que utiliza a palavra para pensar o filme. Essas situações irão incorporar tanto a movimentação e a gestualidade dos personagens como o cenário e os objetos de cena, dando assim substância a um universo de ficção imaginado pelo roteirista. A situação colocada no roteiro será a base para se pensar na composição de cada plano cinematográfico, incluindo aí enquadramento e trabalho de câmera, momento em que a ocupação de um espaço cenográfico será transposta e ajustada às exigências de um espaço cinematográfico.

A composição do quadro cinematográfico pode ser esboçada, em um momento posterior ao da escrita do roteiro, através da feitura de um storyboard, um mapa de filmagem composto por uma série de desenhos ilustrando os principais quadros do filme com as respectivas indicações de possíveis movimentações de câmera, atores e objetos de cena. A construção dos planos cinematográficos, contendo de forma detalhada todos os enquadramentos, trabalho de câmera, qualidade, incidência e intensidade de luz, etc, só se efetivará no momento da filmagem. Em outras palavras, a modelação do quadro imagético do filme é uma decisão de filmagem atribuída ao diretor com o auxílio de seu diretor de fotografia.

É, pois, por um critério de segurança e de controle do universo de representação, que o campo de domínio do roteirista se concentra no da elaboração de cenas dramáticas e não no de planos de filmagem, de domínio do diretor do filme. No momento da escrita do roteiro literário, o apelo à visualidade, que obrigatoriamente deverá estar contido no texto, não está necessariamente ligado a uma visualidade tipicamente cinematográfica. A expressão visual do roteiro ainda é uma expressão da visualidade cenográfica. No que concerne à elaboração da cena, a preocupação central do roteirista é a de apresentar uma situação - e desdobrá-la em várias situações, sob o impulso de uma ação - e não a de descrever uma sucessão descontínua de planos. No roteiro literário, a descrição das imagens estará submetida à descrição da situação e não ainda às exigências do plano, constatação a que também chega Jean-Claude Bernadet, resultado da sua experiência com a prática da roteirização. Diz ele: “O roteiro não deve ser a descrição verbal de um filme que posteriormente o diretor executaria. Do roteirista se espera a construção da narrativa, a divisão em cenas, a descrição das ações, e os diálogos, a partir de que o realizador elaborará a sua direção.”9


A cena entre o teatro e o cinema


A predominância do espaço cenográfico na visualização dos elementos de cena do roteiro não cria um vínculo obrigatório desta com uma concepção de cena tipicamente teatral. Ao contrário, o modo de concepção e realização da cena, no roteiro, parte de um pressuposto que expressa uma diferença radical, na experiência da escrita, entre os textos cinematográfico e teatral. Falamos, mais precisamente, dos modos específicos com que os dois textos tratam do lugar da representação10.

A diferença entre escrever uma cena para o teatro e escrever uma cena para o cinema é determinada, a priori, por uma norma do estatuto de cada um dos enunciados. Tanto uma peça de teatro como um roteiro de cinema trás estampado em suas primeiras linhas de apresentação o meio ao qual o texto se destina. Ambos os textos propõem uma representação encampada por atores. No teatro, esta representação ocorre em um local privilegiado, o palco, que tem seus contornos claramente definidos para o espectador. Diante do palco, o espectador irá estabelecer uma distância segura. Essa distância deverá ter uma extensão mínima o suficiente para este consiga obter uma total visualização de todo o espaço cenográfico. O palco pode adquirir formas diversas, o que afeta diretamente a relação deste para com o espectador, da clássica polarização palco-platéia do palco italiano, às formas que buscam um maior envolvimento entre a cena e o público, como o caso do palco elisabetano ou de propostas ligadas ao teatro contemporâneo como aquelas diretamente influenciadas pelos escritos teóricos de Antonin Artaud. Esse espaço privilegiado de representação pode ainda reservar surpresas para o espectador no decorrer da apresentação teatral, como a da revelação de novos espaços, até então ocultos, que podem alterar uma percepção inicial da abrangência da construção cênica, ou de efeitos de luz que criam novas ambientações para a cena. Qualquer que venha a ser o caso, a percepção, por parte do espectador, do local de representação será sempre uma percepção distanciada e totalizante, comandada por um olhar que tem o domínio de todo o espaço cenográfico. Outro fator comum no teatro diz respeito à imobilidade do espectador. A distância de observação do espectador de teatro em relação à cena é uma distância fixa. O que equivale a dizer que o espectador mantém sempre um mesmo ponto de vista do local de representação. Todas essas relações impõem, ao dramaturgo, um modo de comunicar entre palco e platéia, o que poderíamos chamar de um modo da teatralidade. O teatro não admite o gesto pequeno, o detalhe, a intimidade. Se estas qualidades estiverem no conjunto de ambições do dramaturgo, serão alcançadas apenas de forma aproximada, não com a intensidade que observamos no cinema. Mais do que isso, a intimidade no teatro exige que se remova a representação do grande palco em troca de lugares menores que possibilite o contato próximo entre o ator e seu público, o que implica em uma sensível diminuição do número de espectadores por espetáculo.

Já o roteiro de cinema não trabalha com a mesma noção de palco, como local único e privilegiado da representação, mas com um espaço mais aberto sem limites claramente definidos, um lugar do mundo. Ao trabalhar com essa noção de lugar do mundo, o roteirista trabalha também com uma noção de onipresença. Ausente a figura do palco, como espaço geográfico que centraliza uma representação, fica desfeita as limitações espaciais que acomodariam a movimentação dos personagens em cena. Em vez de um espaço único (o palco) que será revestido por uma ou várias ambientações cenográficas, abre-se ao roteirista a possibilidade de se trabalhar com uma diversidade de espaços do mundo, cada um deles com sua própria ambientação cenográfica, em outras palavras, colar o espectador ao personagem e não ao espaço de representação, o palco. No espaço cenográfico do cinema (pensado ainda na maneira como este é tratado no roteiro) o espaço da representação possui tanto interesse quanto o espaço que está além. Para o espectador de cinema e, por contaminação, para o leitor do roteiro, tão real quanto o espaço que está diante de si, na tela, é o espaço que está fora da tela, mesmo que esse espaço nunca venha a ser revelado para ele. Tudo o que está fora de quadro é percebido como uma extensão do mundo que, embora não nos seja dada a olhar, é parte do espaço de domínio do personagem11. À essa dispersão épica, que quebra com a concentração dramática do palco, soma-se a possibilidade de se trabalhar com uma relação de proximidade do espectador com a cena (o personagem e seu entorno). Ir a todos os lugares onde a história acontece e, mais do que isso, poder ter um contato íntimo com cada um dos personagens, perceber o gesto pequeno, o detalhe, aspectos que poderão ser ressaltados depois com a posterior inserção dos planos de filmagem. O planejamento de uma cena, no roteiro, leva em consideração um ponto de observação privilegiado, do espectador, que o coloca dentro do local da representação, dentro do cenário. Como conseqüência, a representação não precisa mais transpor uma distância para alcançar o espectador. A expressão física do ator não precisa ir além do espaço cenográfico ao qual ele está circunscrito, se comunica apenas com esse espaço. Em relação à expressão do ator teatral, cujo domínio se estende para além das dimensões do palco, a expressão do ator cinematográfico é uma expressão da intimidade, que encontra sua justificativa apenas dentro do universo da ficção.

A constatação expressa aqui, referente ao lugar da representação, liberta o roteiro da dependência do texto teatral. Para aquele que trabalha com o texto dramático, se trata de dois campos de atuação com possibilidades expressivas distintas a serem exploradas. Para o cinema, a escrita de cenas dramáticas serve apenas para a organização textual do filme, ela existe, como autônoma, apenas na primeira etapa de roteirização12. É uma descrição que é feita pelo roteirista para ser, posteriormente, picotada, na forma de diversos planos, pelo diretor. O plano se apropria dos elementos da cena e os re-configuram. Pela forma do recorte, o plano opera uma seleção dos elementos inscritos em um espaço maior. Eventualmente o diretor pode se valer de uma noção de equivalência (equivalência virtual!) entre plano e cena, fato comum no primeiro cinema em que a câmera se limitava ao papel de registrar, de uma posição fixa e passiva, o evento dramático em toda a sua duração. A cena dramática só terá função no período de pré-produção do filme. Servirá para criar uma ambientação cenográfica fundamental no interior da qual ocorrerá um acontecimento a ser registrado através das tomadas de câmera de acordo com as descrições de planos, encontradas no roteiro técnico. A cena trás a descrição do evento a ser registrado e não do “como” esse mesmo evento deverá ser registrado.


NOTAS:

1. Em uma tentativa de se livrar da herança teatral e afirmar a autonomia do meio cinematográfico, é comum encontrarmos em roteiros e planilhas de produção, como análise técnica, ordem do dia e plano de filmagem, a substituição do termo cena pelo termo seqüência. Em alguns casos, esses mesmos documentos de produção utilizam o termo cena quando fazem menção ao que seria mais conhecido como plano cinematográfico. Seja qual for a denominação adotada, a confusão está ligada somente a uma alteração de nomes que não implica em uma mudança conceitual daquilo que estamos chamando aqui como a menor parte do roteiro.
2. A concepção de cena que estamos utilizando não é a mesma utilizada no drama clássico, no qual sua marcação é limitada à entrada e saída dos personagens. No drama clássico, principalmente aquele guiado pelas normas rígidas do aristotelismo francês, a cena não possui a ampla autonomia, em relação ao ato, que irá conhecer no teatro de Shakespeare e do período romântico, por exemplo.
3. Sobre esse assunto, ver crítica de Décio de Almeida Prado à peça Toda nudez será castigada, em Nelson Rodrigues radicaliza a adoção de cenas na quebra da continuidade do ato. Em PRADO, Décio de Almeida. Exercício findo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987, p. 109.
4. FURTADO, Jorge. O homem que copiava. Disponível em . Acesso em 07/01/2006.
5. FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1995, p. 112.
6. HOWARD, David; MABLEY, Edward. Teoria e prática do roteiro cinematográfico. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1996, p. 145.
7. No contexto dessa análise, não estaremos trabalhando com esse rigor conceitual. Estamos considerando também como cena dramática cenas que descrevem situações não conflituosas. Serão consideradas dramáticas apenas por proporem a encenação de um determinado evento de uma história.
8. Um exemplo da dificuldade de se descrever detalhadamente as imagens de um filme se encontra nas publicações que trazem, ao invés do roteiro, transcrições de filmes de importância histórica como por exemplo: RENOIR, Jean. La règle du jeu, nouveau découpage intégral. Paris: Lê Livre de Poche, 1999.
9. BERNADET, Jean-Claude. O caso dos irmãos Naves, roteiro original. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004, p. 13.
10. Sobre o local da representação no cinema e no teatro ver BAZIN, André. O cinema, ensaios. São Paulo; Brasiliense, 1991, p. 146-147.
11. Sobre esse assunto ver: Nana ou “os dois espaços” em: BURCH, Noel. Práxis do cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.
12. É importante não confundir a definição de cena que estamos utilizando aqui com a que Christian Metz adota para definir um dos sintagmas possíveis à montagem cinematográfica, “o único sintagma cinematográfico parecido com uma ‘cena’ de teatro, ou mesmo com uma cena da vida cotidiana, isto é, um sintagma que oferece um conjunto tempo-espaço apreendido como não tendo falhas.” Em METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 151.

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BARBA, CABELO E BIGODE:
CASCADURA, UMA EXPERIÊNCIA RADICAL
Sérgio Puccini
Artigo originalmente publicado em Site Negativo Online
Disponível em:
http://www.negativoonline.com/artigos.aspx?id=41


Por conta da participação do curta Voltei para buscar os bolinhos, dirigido por mim e por Alessandra Brum, tive a oportunidade de participar pela primeira vez do prestigiado Festival de Cinema de Brasília na sua 40° edição. Nosso curta passou na Mostra de 16mm que ocorreu no amplo auditório Cláudio Santoro do Teatro Nacional. Voltei foi exibido na sessão de sábado juntamente com outros tantos bons filmes. No domingo voltamos ao teatro para aquela que seria a última sessão da Mostra 16mm.

O Festival de Brasília é o último reduto de exibição da bitola de 16mm cuja morte já foi decretada pelos laboratórios de cinema do país. A permanência do espaço de exibição no próximo Festival de Brasília ainda é incerta pelo baixo número de filmes inscritos nessa última edição. Para o ano que vem é certo que o número de concorrentes deverá diminuir ainda mais o que inviabilizaria a Mostra. A recusa dos laboratórios brasileiros em trabalhar com a bitola de 16mm limita as opções de suporte criando dificuldades para jovens realizadores que ambicionam iniciar carreira no cinema, se utilizando o suporte fotográfico, sem possuir um bom apoio financeiro. A produção independente e de baixo orçamento ficará forçosamente restrita ao suporte digital. A consolidação do suporte digital é um caminho sem volta por questões de praticidade e custos. A prática com o 16mm em situação de filmagem, difere radicalmente da prática de gravação em suporte digital. O trabalho com câmeras de cinema exige uma preparação maior para a tomada do que quando se trabalha com câmeras digitais. Além disso, se pensarmos em termos de qualidade de imagem, o digital não substitui a imagem fotográfica do 16mm. Trata-se de imagens com características diferentes. Muito embora os programas de edição possuam efeitos de simulação da imagem fotográfica, tais efeitos não conseguem esconder seu artificialismo. Assim como acontece com o super-8, a imagem obtida pelo 16mm pode também ser explorada como recurso estético.

Voltando ao Festival de Brasília, mais precisamente à sessão de domingo da Mostra 16mm, foi justamente um filme nascido de uma experiência artesanal que atraiu mais a minha atenção entre todos os filmes do Festival, incluindo aí os de 35mm. Trata-se de Cascadura, de Felipe Cataldo e Godot Quincas, do Rio de Janeiro. Cascadura foi o último filme exibido naquela que poderá ter sido a última sessão de 16mm do Festival, fato que faz com que aquela exibição adquira maior importância. Rodado com latas de negativos vencidos, graças a um prêmio ganho por seus realizadores, o filme se inicia com créditos escritos a mão diretamente na película. Segue uma seqüência de imagens superexpostas, em que os contornos da figuração são quase totalmente apagados em troca da imagem abstrata. A abstração dá lugar a imagem de uma menina que caminha por uma rua carregando consigo uma boneca. Em plano-seqüência, a câmera vagueia pelo interior de um trem de subúrbio registrando as expressões dos passageiros. Entre esses passageiros, o personagem interpretado por Godot Quincas com chapéu e vestimenta branca, se portando com um típico boêmio da Zona Norte carioca. Voltamos a encontrar a criança com sua boneca caminhando pela rua até ser abordada por um homem barbudo e com uma vasta cabeleira, como um desses profetas de rua. A abordagem é interrompida com a chegada de um grupo de três ou quatro que passam a torturá-lo violentamente, arrancando, a tesouradas, aquela profusão de pêlos. “Barba, cabelo e bigode”, diz o cartaz exposto por um dos torturadores. O grupo segue em sua caminhada até que Godot Quincas seja vítima de um ataque fulminante que o leva ao chão. A progressão das cenas não segue nenhuma lógica narrativa, trata de associações livres que lembram um sonho. A música que acompanha as cenas, descolada de um vinil raro de Hermeto Pascoal (Slave Mass), não é uma escolha gratuita. O casamento dos riscos do 16mm com os chiados do disco de vinil, dois suportes que a indústria achou por bem extinguir, reforça o discurso de resistência que perpassa todo o filme.

Durante a exibição de Cascadura, fui percebendo que, dentro de toda a programação do Festival, aquele era um momento especial. De fato, cheguei a me sentir privilegiado por estar naquele auditório, naquela tarde de domingo. Diante de toda aquela precariedade técnica, existia ali, finalmente, uma surpresa. Nada da presivibilidade dos filmes bem feitos, que atendem às expectativas do gosto padrão da audiência e que mais parecem comerciais de TV. A precariedade da produção abria uma fissura, no contexto de sua exibição, por onde era possível perceber um discurso claramente articulado, construído a partir de refugos da indústria, como marca de um posicionamento político.

Como proposta estética, Cascadura tem uma longa lista de referências. Do cinema marginal ao cinema underground, sem esquecer as experiências do cinema de artista das vanguardas do início do século XX que repercutiram no Brasil na produção em Super-8 nos anos 70. Talvez aqui seria mais apropriado resistir à tentação de recorrer àquela extensa lista de citações, muito embora seja pertinente a apropriação de muitas das reivindicações do cinema marginal brasileiro feita pelo curta. A frase de Paulo Emílio, estampada na camiseta de um dos atores (“O pior filme brasileiro é mais interessante que o melhor filme estrangeiro”) aparece como uma das provas dessa filiação consciente. “Filmes péssimos e livres”, a frase de Sganzerla também caberia perfeitamente no contexto de representação do curta. Cascadura é um chute na bunda do virtuosismo técnico em favor da livre expressão criativa que manifesta sua força sejam quais forem os meios. A atualidade de Cascadura está justamente nessa aposta. O que não é pouco, principalmente quando levamos em conta a facilidade com que jovens realizadores se deixam domesticar pela indústria, maravilhados com a evolução técnica das câmeras digitais que os obrigam a entrar em um ciclo de consumo bastante dispendioso para se manter em dia com as novidades do mercado. Na voracidade do consumo, se esquecem que cinema, antes de ser um mero pretexto para um exercício da técnica é um valioso instrumento do pensamento.

Os acidentes de percurso incorporados à imagem (resultado da utilização de negativo vencido) colocam em mesmo plano de interesse tanto a materialidade do suporte quanto a imagem que esse suporte registra, o que atesta a autenticidade do 16mm, sem o qual não seria possível obter tais resultados. Como exercício de experimentação, Cascadura se vale daquilo que o 16mm tem de específico, tanto em termos da qualidade da imagem como da sua adequação à proposta dos realizadores. As características apontadas aqui, alinhadas ao contexto de exibição do filme, fazem com que Cascadura se transforme em um manifesto de defesa de uma prática de cinema constantemente ameaçada pelo domínio da produção de mercado; uma prática que não se esgota no imediatismo de interesses financeiros, possível graças a suportes alternativos, como a bitola de 16mm. Nesse sentido, há que ser saudado esse espaço de exibição proporcionado por Fernando Adolfo e toda a organização do Festival de Brasília.

Sérgio Puccini é doutor em cinema pela UNICAMP, diretor (com Alessandra Brum) e roteirista do curta Voltei para buscar os bolinhos (SP, 16mm, 2007).

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Entre a janela e o espelho:
33, um projeto autobiográfico de Kiko Goifman
Sérgio Puccini
Doutor em Cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Multimeios IA/UNICAMP

Artigo originalmente publicado em:
CADERNOS DA PÓS-GRADUAÇÃO – INSTITUTO DE ARTES
Ano 8 vol.3 n.3 - 2006


RESUMO: O artigo apresenta uma análise do documentário 33, dirigido por Kiko Goifman. 33 segue a linha dos documentários autobiográficos, ou em primeira pessoa, no qual acompanhamos a busca de Kiko Goifman por sua mãe biológica. A análise enfoca algumas particularidades encontradas no documentário como as estratégias de exposição do autor controladas pelo discurso do filme. 33 subverte algumas das expectativas normalmente associadas a um filme autobiográfico ao primar pela discrição na forma de tratamento e exposição do assunto. A análise pretende demonstrar que a razão para muitas das opções adotadas pelo discurso se encontra no choque entre a história do filme e a história de vida de seu diretor.

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33, longa metragem dirigido por Kiko Goifman, segue a linha dos documentários em primeira pessoa, ou autobiográficos, tendência já há muito incorporada na tradição do cinema e vídeo documental. Em 33, acompanhamos a busca do realizador por sua desconhecida mãe biológica, ele sendo filho adotivo de Berta Goifman. Todos os esforços de busca estão concentrados à cidade de Belo Horizonte, cidade natal de Kiko, onde ainda reside sua família. Para tanto, Kiko estabelece algumas estratégias que servirão como um guia de conduta pessoal. De início, Kiko define previamente um limite temporal para a busca: o 33 do título se relaciona não só à idade do realizador à época, mas aos 33 dias permitidos para a investigação. Esta se encerrará, forçosamente, ao término desse período independente dos resultados obtidos até então. Durante todo o documentário, Kiko Goifman encarnará a figura de um detetive amador. Para isso, buscará o auxílio de alguns dos profissionais do ramo (quatro, no total) que atuam em São Paulo e Belo Horizonte. Além de uma busca pessoal, o que temos em 33 é uma aberta homenagem aos filmes policiais, mais especificamente os filmes noir dos anos 40 e 50. Essa homenagem é reforçada pela utilização do preto em branco como padrão de cor, além das constantes citações a escritores consagrados no gênero (particularmente Dashiell Hammett).

Como projeto autobiográfico, 33 é marcado, curiosamente, pelo distanciamento estabelecido entre o autor e o espectador. Esse distanciamento se evidencia no tratamento das imagens, na distribuição das informações ao espectador, na recorrência a gêneros da narrativa ficcional, particularmente o gênero policial dos filmes de detetive, e até mesmo na forma como, em alguns momentos, o autor se dirige ao público. Conforme demonstraremos ao longo deste artigo, esse distanciamento é resultado de um processo de reflexão vivido pelo autor durante todo o decorrer do projeto. Trata-se de um gesto intencional de Kiko, cujo sentido se encontra dentro do próprio filme.

As imagens

Em 33, grande parte do repertório de imagens, que permeia o filme, é composto por panorâmicas da paisagem urbana (São Paulo e Belo Horizonte) vistas das janelas dos apartamentos habitados por Kiko no período de produção do documentário. Dentre todas as janelas “visitadas” por Kiko, a de localização mais privilegiada parece ter sido a janela do apartamento do hotel, no centro de Belo Horizonte, situado no décimo nono andar com vista para quase toda a cidade. Essas panorâmicas são, na grande maioria, visões noturnas da cidade, suas ruas, avenidas e seus habitantes solitários. O recurso do slow motion, utilizado de forma recorrente nesses momentos, possibilita um grau maior de abstração no processo de identificação da imagem por parte do espectador, um recuo do olhar. As panorâmicas funcionam como imagens de transição entre as imagens dos depoentes e as que mostram a ação de Kiko, além de servir como base para o texto reflexivo de Kiko, via narração off. Durante boa parte do documentário, Kiko irá se debruçar nos peitoris das janelas assumindo a figura de um insaciável voyeur, inclinação que vem estampada em seu texto: “Fui voyeur de uma cidade inteira.” diz ele ao se referir à vista disponível no quarto do hotel.

Ao apontar a câmera para fora da janela, Kiko procede de maneira inversa ao que normalmente se espera de um trabalho autobiográfico, no qual a câmera se volta para “dentro da janela”, para dentro do universo do realizador, possibilitando, ao espectador, um convívio mais íntimo com este. Em 33, essa possível intimidade é evitada. Kiko opta pela discrição. Cláudia, mulher de Kiko, anunciada como parceira nas investigações, pouco aparece na tela e em nenhum momento se manifesta. As poucas imagens que temos da intimidade do casal aparecem na forma de reflexos nos vidros das janelas. A exposição de Kiko diante da câmera, que se dá a cada vez que ele deseja se comunicar diretamente com o espectador, é feita através da utilização de um efeito de edição que cria uma fresta de imagem que permite uma visão parcial do rosto de Kiko. A imagem “limpa” de Kiko aparece apenas via reflexo em vidros e espelhos.

Em todos os momentos de ação, Kiko opta por uma câmera subjetiva, seus olhos coincidindo com o “olho” da câmera. Nessas situações, Kiko, para se dirigir ao espectador de forma direta, o faz novamente através da intermediação de espelhos (mais freqüentemente através do espelho lateral do carro). Se, por um lado, esse recurso, que vem a ser bastante comum em projetos dessa natureza, permite a Kiko manter o ponto de vista subjetivo da câmera, por outro impede sua exposição frontal plena, já que seu rosto aparecerá sempre escondido por detrás da câmera.
Outro procedimento evitado em 33, e que também é bastante comum em documentários autobiográficos1, é a utilização de imagens de arquivo, retratos ou vídeos de família, que poderiam permitir ao espectador um maior envolvimento, via contato visual, com o universo familiar do autor. Em 33 não existem imagens do passado. Kiko prefere deixar ao espectador a tarefa da reconstrução dessas imagens, aludidas a todo o momento pelos depoentes.
Informações

A quantidade de informações que Kiko disponibiliza ao espectador sobre sua situação familiar ou sobre o andamento do projeto também é feita de forma mínima, e está concentrada apenas aos fatos envolvendo a adoção. Quase nenhuma informação sobre o pai adotivo de Kiko nos é passada. A não ser por uma rápida menção de ele ter sido um comunista perseguido pela ditadura militar, o pai é figura ausente em 33. Faltam também maiores informações sobre a irmã, Márcia, que, pelo depoimento que presta, parece ter sido a primeira a ser adotada pela família Goifman, mas isso não fica explicitado no documentário. Márcia possui história semelhante à de Kiko, mas Kiko prefere não explorá-la. O que poderia ser entendido, como uma manifestação egocêntrica do autor, que reclama por todos os espaços de atenção do filme, tal atitude revela, no contexto de realização do documentário, um gesto de respeito de Kiko em relação à irmã no sentido de se preservar sua intimidade.

Do mesmo modo como não recorre a imagens de arquivo (retrato e vídeos de família), Kiko também evita reminiscências em seu texto reflexivo (reminiscências que seriam o contraponto verbal às imagens do passado). Kiko prefere o texto direto, seguindo a linha dos escritores noir que tanto o influenciaram nesse projeto. Essa objetividade não impede, no documentário, a manifestação de emoções e estados d’alma, mas essas se dão de forma pontuada e contida. Kiko prefere evitar todo o sentimentalismo, ou o tom melodramático, que sua história de vida pessoal poderia propiciar. Exemplo disso está no momento em que Kiko descreve um possível desfecho para o documentário, a cena final que marcaria o encontro de Kiko com sua mãe biológica. Kiko antecipa ao espectador que a cena desse encontro não será mostrada já que, para ele “o encontro seria o extremo do melodrama.” Outro momento em que Kiko deixa claro sua recusa ao sentimentalismo meloso está no off final no qual Kiko reflete sobre o encontro com Dr René, filho, adotivo, da mulher que intermediou sua adoção: “Temia encontrar um final piegas e me vi diante de um espelho.”

Se Kiko evita divagar sobre seu passado, deixando isso a cargo dos depoentes, as informações sobre o presente, sobre o dia-a-dia das investigações, também se resumem ao essencial. Os 33 dias da investigação não são descritos com os pormenores de um diário, mas são distribuídos em blocos de três, o que permite a Kiko uma maior liberdade no tratamento do tempo da ação. Kiko chega a passar por cima de alguns dias durante os quais não ocorre nenhum avanço significativo nas investigações, como o dia em que acordou de ressaca e preferiu passar na cama.

Gênero

Outro expediente utilizado por Kiko como estratégia de distanciamento é a recorrência ao gênero policial para enquadrar a estrutura de seu documentário autobiográfico. Desde sua abertura, 33 presta explícita homenagem aos romances e filmes desse gênero. Essa homenagem orienta a opção pelo P&B como padrão de cor, além de vir expressa nas constantes citações a autores que se consagraram nesse gênero, como Dashiell Hammett. A influência do gênero policial noir também é marcada pela preferência por imagens noturnas, na série de imagens panorâmicas, que retratam ambientes sombrios da cidade, noites chuvosas e personagens solitários. Mais do que orientar a estética do documentário, a recorrência ao gênero determina também a montagem da estrutura narrativa de 33. Kiko recorre a procedimento característico da narrativa clássica, qual seja, o prazo limite, ou o deadline2. Seu projeto tem apenas 33 dias para se cumprir. Os 33 dias de busca servem para enquadrar o tempo da história retratada no documentário, o tempo em que essa busca será feita de forma pública, não estando relacionado a sua busca privada. Ao adotar um artifício narrativo, o prazo limite, cria-se a expectativa de que essa história irá respeitar esse decurso temporal, condição básica para que a narrativa possa se efetivar. Assim sendo, não interessa à narrativa o final rápido. Este deverá ser adiado a fim de se explorar o suspense e a curiosidade do espectador em relação ao desfecho da trama. Já desde o primeiro dia de investigação, Kiko parece ter isso em mente. Diz ele em diário publicado na Internet durante o período de gravação do documentário: “Se entre vocês estiver uma mulher que abandonou o filho recém nascido em Belo Horizonte, 1968, peço que me procure só por volta do trigésimo dia de busca, quando o prazo estiver quase esgotado.”3

A preocupação com uma evolução gradual da tensão, visando o clímax final, no caso o possível encontro de Kiko com a mãe biológica, é percebida na forma como Kiko organiza o passo-a-passo de sua investigação. Os primeiros dias ficam reservados aos depoimentos dos detetives de São Paulo e familiares de Belo Horizonte. Kiko irá partir à campo efetivamente no início da segunda metade dos 33 dias, quando da sua primeira visita ao Dona Genoveva, local de sua adoção, e à Sta Casa, local de seu nascimento. As entrevistas à televisão são deixadas para o último terço da investigação, sendo que a matéria transmitida pelo programa de televisão Fantástico, momento de maior exposição pública do projeto, vai ao ar já no instante derradeiro desta.

Temos assim, em 33, não uma, mas duas tramas narrativas bem definidas. De um lado temos a trama que sustenta todo o projeto e se ajusta a um modelo clássico de narração: O protagonista, Kiko Goifman, buscando atingir uma meta, encontrar a mãe biológica, enfrentando obstáculos (burocracia, oposição familiar, entraves da memória...). Do outro, temos a trama ligada à própria história de vida de Kiko, que não se encaixa em normas narrativas e estabelece o caráter autobiográfico de 33. É justamente no choque entre essas duas tramas que se encontra o maior interesse do projeto. Desse choque nasce todo o conflito do documentário, conflito interior vivenciado pelo autor, Kiko Goifman, conforme veremos adiante.

Conclusão

No entender dessa análise, esse alegado distanciamento encontra sua justificativa dentro do percurso do projeto de exposição pública, que não se limitou ao período de divulgação e exibição comercial do documentário, mas teve início com o diário publicado na Internet, passando por aparições em canais da mídia impressa (jornais e revistas) e não impressa (Internet e televisão). Comparado o diário com o documentário finalizado, nota-se clara diferença na forma com que o autor tratou essa exposição. De um lado, temos um momento de abertura, o diário; do outro, recolhimento, o documentário. Se o diário foi escrito no calor da hora, o documentário teve uma gestação mais demorada, entre captação e finalização, que espelha um momento de reflexão vivido pelo autor. 33 não relata um momento comum na sua vida de Kiko Goifman, mas um período extremamente delicado para ele e sua família. Dessa forma, há que se ressaltar a determinação de Kiko ao levar a cabo um projeto cujo assunto quase nunca é tratado da forma aberta como ele propôs. O filme de longa metragem 33, sobre o qual essa análise se deteve, resulta das conclusões tiradas pelo autor durante toda a experiência de exposição pública e do processo investigativo que determinou o recorte temático do documentário.

A justificativa do projeto, para Kiko, está na boa história que este propicia. Existe também a necessidade, assumida por Kiko, de se romper um tabu envolvendo o assunto adoção. Ao tornar pública sua busca, Kiko espera alterar o ângulo de enfoque que normalmente associa adoção a figuras de ressentimento, rejeição e traumas que são bastante explorados pelo melodrama das novelas, gênero que Kiko rejeita energicamente. O que se nota, em 33, é uma certa resistência de Kiko em assumir essa busca como uma necessidade pessoal. A investigação serve para a história do documentário, não para a história de vida pessoal de Kiko. O problema é que essas duas tramas acabam inevitavelmente se misturando em uma só, e isso acarreta prejuízo para uma delas, uma delas há que abrir espaço para a outra. Kiko mantém seu compromisso com o projeto documental, mas ao mesmo tempo dá sinais claros de que, em seu íntimo, aquela investigação não é prioridade para ele. “Eu tenho a minha mãe.” diz Kiko durante uma das entrevistas à televisão. Ao tornar público o projeto, Kiko assume o risco de que o possível encontro entre ele e sua mãe biológica possa, a qualquer momento, se concretizar (como de fato acontece em casos explorados por programas de TV como prova do poder de comunicação dessa mídia), e dá mostras de que esse não é um encontro sonhado por ele. Sua recusa em exibir o encontro na tela, expressa no momento em que descreve a forma como ele trataria, no documentário, essa situação hipotética, também é sinal de sua recusa ao encontro fora da tela, fora do filme.

A pergunta que se faz então é o porquê desse projeto, se o assunto deste não parece fazer parte das prioridades pessoais do autor. Como resposta a isso já falamos de duas justificativas expressas por Kiko no longa, relacionadas ao tabu e à boa história. Mas ainda existe uma terceira justificativa que me parece importante. Antes de ser um documentário autobiográfico que retrata uma investigação de seu autor em busca de sua mãe biológica, 33 é também um ato de criação de um artista que se utiliza do vídeo como suporte para sua expressão. Um artista que buscou experimentar outros campos de atuação: se 33 não representa uma ruptura estilística no trabalho de Kiko, representa claramente uma ruptura temática (33 é o primeiro documentário autobiográfico na filmografia de Kiko Goifman). Com relação à sua necessidade de expressão, Kiko parece ter conseguido deixar isso claro para seus familiares, especialmente sua mãe, que, em retorno, manifestaram respeito pelo projeto. A rigor não há nenhuma “canalhice” (expressão usada por Kiko quando do primeiro encontro com a mãe no documentário) no fato de uma pessoa querer descobrir sua mãe biológica, curiosidade absolutamente natural de um filho adotivo. O que o vídeo demonstra é que a abertura de Berta, a forma com que ela acolheu o projeto do filho, apesar de toda a dor que a disposição de Kiko possa ter causado, acabou por fortalecer ainda mais a ligação entre filho e mãe, Kiko e Berta. Nesse sentido, 33 parece refletir mais essa constatação interior do que a busca pública que motivou todo o projeto. A história do documentário perde força para a história pessoal de Kiko.

33 não vale como história de detetive. Kiko está longe de ser um detetive durão, tipo Sam Spade, que sai distribuindo sopapos nos inimigos, transando com todas as mulheres gostosas que vê pela frente, mentindo e se metendo com todo tipo de gente. De fato, Kiko patina em momentos decisivos da investigação, lançando mão de evasivas como trocar a investigação pelo bar, manifestação clara de uma insegurança do autor. Como autor do projeto, Kiko certamente não espera que as pessoas vejam o documentário com a expectativa de quem vai ver um policial noir. O que vale em 33 é a história pessoal de um realizador que topou o desafio de abrir algumas portas para discussão de um assunto do qual ele é parte integrante. Ao fazer isso, Kiko enfrentou obstáculos, mas soube deixar claro, para as pessoas que dele estão próximas, que antes de qualquer coisa existe a necessidade de expressão do artista. O passo atrás de Kiko, que se dá no momento decisivo do documentário, a entrada em cena de Dr René propiciada pela matéria do Fantástico, diante da qual Kiko prefere se colocar como espectador, é também resultado de uma decisão consciente relacionada a um gesto em direção a sua mãe adotiva, Berta.

Como conclusão do percurso desta análise, me parece claro de que, ao finalizar seu projeto, o realizador conseguiu ter noção exata da validade de sua aposta. A busca de Kiko Goifman se encerra em Berta Goifman, declaração expressa, em texto, no último instante de 33; gesto maior de retribuição afetiva e de constituição simbólica do laço materno.

NOTAS

1. Ver: TURIM, Maureen. Reminiscences, subjectivities and truths. Em JAMES, David (ed.). To free the cinema, Jonas Mekas & the New York underground. Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1992.
2. Para isso, ver, por exemplo: BORDWELL, David. Narration in the fiction film. Wisconsin: The Univesity of Wisconsin Press, 1985.
3. Disponível em <http://www.paleotv.com.br/33/diario01.htm>. . Acesso em 07/07/04.

Ficha Técnica:
33 (SP, 2002, 72mins.)
Direção: Kiko Goifman
Roteiro: Cláudia Priscilla e Kiko Goifman
Produção: Jurandir Muller
Direção de produção: Cláudia Priscilla
Direção de fotografia: Kiko Goifman
Montagem: Diego Gozze
Música original: Tetine

ARTIGO

Quentin Tarantino e o Tempo
Sérgio Puccini
Artigo resultante de apresentação em IV Encontro Interno de Pesquisa em Artes e Multimeios
IA-UNICAMP, 2000






EMBORA para alguns críticos e espectadores os filmes de Quentin Tarantino acabem chamando mais a atenção pelos momentos de violência que apresentam, o que também tem servido como único parâmetro para aqueles imitadores de ocasião, o marco diferencial do trabalho desse cineasta até aqui reside no vigor de suas estruturas narrativas. Se fizermos um rápido levantamento de seus roteiros veremos que todos eles contam histórias que por si só seriam de pouco interesse já que apresentam manjadas situações de gênero vistas em centenas de outros filmes que os precederam (aos quais, por sinal, seus roteiros prestam devida homenagem). O próprio Tarantino definiu as histórias de compõem Pulp Fiction como sendo “as mais velhas histórias que já se viu”.1 O grande achado do diretor americano tem sido justamente o de recontar essas histórias manjadas assumindo algumas liberdades narrativas que fogem do padrão comum adotado pela maioria dos filmes de Hollywood. O que se observa como operação recorrente nos seus principais roteiros é uma hábil e decisiva manipulação do tempo da história. Essa manipulação encontra no recurso do flashback seu expediente mais habitual.

Em Cães de Aluguel (1992), filme que marca a estréia do diretor, quase metade das cenas do roteiro são compostas por flashbacks. Esses flashbacks são, na verdade, cenas de apresentação que permeiam a evolução da ação dramática. Ao todo, temos em Cães de Aluguel 4 blocos de flashbacks. Cada um desses blocos está relacionado a um determinado personagem da história. O primeiro flashback é o mais rápido e desmotivado de todos eles, mostra Mr Pink escapando dos tiros da polícia após o assalto à joalheria. Esse flashback funciona como uma ilustração do que Pink acaba de relatar a Mr White quando estes já se encontram refugiados no armazém. Após esse rápido flashback inicial vamos ter, por ordem, o flashback “Mr White”, seguido pelo flashback “Mr Blonde” e, por último, o flashback “Mr Orange”. Agrupados, esses três blocos corresponderiam ao primeiro ato da história, quando vemos a preparação de um grande assalto envolvendo uma gang de criminosos e um policial infiltrado. Ao alterar a ordem da apresentação dos fatos, Tarantino deixa em suspenso várias informações vitais para a compreensão da trama que o espectador tem diante dele. A principal delas está relacionada ao fato de Mr Orange ser, na verdade, um policial disfarçado que se infiltrou na gang a fim de poder capturar o chefão Joe Cabot. É em torno dessa informação chave que gira todo conflito da ação, todo ele apoiado na relação de lealdade entre Mr White e Mr Orange. O próprio Tarantino é quem explica a lógica por trás da estrutura montada em Cães de Aluguel:


“Se você quebrar o roteiro em três atos, a estrutura sob a qual ele trabalha será mais ou menos assim: no primeiro ato o espectador não entende nada do que está se passando. Eles estão apenas se familiarizando com os personagens. Os personagens têm muito mais informações do que o espectador. No segundo ato você começa a sacar o que se passa e a igualar seus conhecimentos com os dos personagens. No terceiro ato você agora sabe muito mais do que os personagens. No primeiro ato de Cães de Aluguel, até o momento em que Mr Orange atira em Mr Blonde, os personagens tem muito mais informações sobre o que acontece do que você - e eles tem informações conflituosas. Então nós temos a seqüência de Mr Orange que serve para nos nivelar com os personagens. Você começa a sacar exatamente o que está se passando. Na terceira parte, quando você retorna para o armazém para o clímax final você está totalmente à frente de todos os personagens. Você sabe mais do que Keitel, Buscemi e Penn porque sabe que Mr Orange é um policial e você sabe mais do que Mr Orange porque sabe sobre o paradeiro de Mr Blonde, sabe que ele foi para a cadeia por três anos pelo pai de Chris Penn. E quando Mr White aponta sua arma para Joe e diz “você está errado sobre esse homem” - você sabe que Joe está certo e que Keitel está defendendo o homem que na verdade o está entregando.”2


De todos os flashbacks, o flashback “Mr Orange” é o mais longo e complexo deles, funcionando como uma espécie de microcosmos da estrutura total do roteiro. Ele se inicia com (1) a cena do encontro entre Orange e Holdaway que se passa no restaurante Denny’s à noite. A cena se estende até o momento em que Holdaway chama a seqüência da commode story quando então retornamos no tempo para vermos (2) Holdaway explicando a Orange do que se trata e para que serve a tal história (o primeiro flashback dentro do flashback). A seqüência continua com (3) Orange decorando o texto para si (em seu apartamento) e (4) para Holdaway (em um exterior neutro). Passamos então a acompanhar (5) Orange pondo em prática a sua história diante de Cabot e alguns dos membros da gang no interior de um bar - The Boots and Socks, local referido por Orange na conversa com Holdaway. INSERT história sendo dramatizada, Orange no banheiro com os policiais conforme descrito em seu relato. Ao final do monólogo retornamos para (6) Orange e Holdaway no Denny’s o que marca o fim do primeiro flashback dentro do flashback. Em seguida passamos a acompanhar (7) Orange seguindo para seu primeiro encontro com Joe Cabot e sua turma quando então são distribuídos os codinomes a serem usados por eles durante o assalto (início do segundo flashback dentro do flashback). Dentro da cronologia dos fatos apresentados, a seqüência do primeiro encontro entre Orange e a gang marca o verdadeiro início do flashback “Mr Orange”. Mais um avanço no tempo e pulamos para (8) um momento que antecede o assalto quando vemos White e Orange diante da joalheiria acertando os últimos detalhes da ação. Uma elipse irá nos transportar para (9) um momento posterior ao assalto quando então acompanhamos a fuga de White, Orange e Brown.

Em ordem linear o flashback “Mr Orange” corresponderia a:


(7) - (2) - (3) - (4) - (5) - (1) - (6) - (8) - (9)


Além do suspense gerado por uma exposição retardada, que deliberadamente omite informações essenciais ao espectador, a estrutura em flashback de Cães de Aluguel permite também ao autor intercalar cenas de tensão a cenas de relaxamento, criando assim um ritmo de compassos binários que altera tempos fortes e fracos. É esse ritmo que faz com que a curva dramática se assemelhe mais com uma montanha-russa de subidas e descidas abruptas que quebram uma ascensão uniforme. Mais especificamente, a oscilação entre os tempos do roteiro é marcada pela intercalação entre momentos de extrema verborragia com momentos de ação. Como já disse um crítico “quando a energia retórica se eleva em um roteiro de Tarantino, significa que alguma coisa terrível está para acontecer - ou que já aconteceu e dessa precisamos nos recuperar.”3

Essa liberdade com que Tarantino manipula o tempo de sua história é fruto da influência das estruturas dos romances, particularmente dos romances policiais, nas concepções das estruturas narrativas de seus filmes. Diz Tarantino:


“Acredito que o que eu estou sempre tentando fazer é aplicar ao cinema as estruturas que eu vejo em um romance. Um romancista não se importa de começar o livro pelo meio de sua história. Eu achava que se eu conseguisse imaginar um jeito cinematográfico de fazer isso, isso seria bastante excitante.”4


O esforço a que se submete Tarantino na transposição de uma estrutura de romance para o meio fílmico faz com que o próprio chegue até mesmo a recusar o termo flashback, termo que temos usado até aqui, como um elemento recorrente em sua obra:


“Eu não considero que Cães de Aluguel tenha flashbacks. Esse é um termo que eu não reconheço. Eu uso uma estrutura de romance para contar minha história. Quando você lê um romance, os tempos se alteram constantemente sem que se refiram a isso como flashbacks. (...) Para mim um flashback é uma recordação pessoal de um personagem. Em Cães de Aluguel, eu, o narrador, estou contando a história em tempos diferentes. Para mim, cada personagem conta com um capítulo e cada capítulo vai completando a informação dos outros.”(5)


Tarantino acerta a dizer que o termo flashback não descende da narrativa literária, mas está profundamente ligado a evolução da narrativa cinematográfica. Em seu estudo sobre flashbacks em filmes, Maureen Turim lembra que o termo flash trás em si uma noção de velocidade associada ao dinamismo das técnicas de edição permitidas pelo cinema e que, embora o romance e o teatro já utilizassem expedientes semelhantes, “o termo flashback aparentemente não foi empregado até o advento do cinema e somente dez ou quinze anos depois do aparecimento do primeiro flashback fílmico.”6

Pode não parecer, mas o flashback é um recurso narrativo raro em Hollywood e até desaconselhado pelos autores de manuais. David Bordwell comenta que se fizermos uma amostragem de toda a produção clássica de Hollywood, constatamos que de cada cem filmes americanos, somente vinte usam flashbacks e quinze desses ocorrem no período do cinema mudo.7 Essa resistência ao uso do flashback se reflete nos conselhos dos autores de manuais de roteiro. Para Eugene Vale, “exposições prolongadas sobre o passado tendem a retardar a progressão dramática.”8 O mesmo diz Dwight Swain: “Como regra geral, é melhor evitar flashbacks sempre que for possível, simplesmente porque eles interrompem o fluxo da história. Flashbacks tendem também a entediar e confundir os espectadores. Como conseqüência, na maioria das vezes, o melhor é permanecer no presente da ação.”9 Lewis Herman ataca a utilização do flashback dizendo que este “impede a progressão contínua da ação fílmica”, além de quebrar a noção de realismo no espectador: “o flashback não acontece na vida real. A vida é uma contínua sucessão de eventos que começa e termina sem voltas no tempo. A menos que seja suficientemente motivado, essa sucessão de eventos que o filme deve tentar representar será interrompida de maneira bastante artificial.”10

Apesar de não ser um recurso predominante, alguns períodos, na história da produção cinematográfica hollywoodiana, são marcados por uma maior aceitação do recurso flashback. Entre esses períodos se encontra o dos anos 40 e 50 marcado pelos melodramas psicológicos e, principalmente, pela safra de filmes policiais sombrios designados por filmes noir. Foi justamente nessa safra de filmes policias que Tarantino buscou inspiração para escrever seus roteiros, se colocando como uma espécie de revisor do gênero: “Eu gosto da idéia de se poder partir de um gênero que já existe e reinventá-lo, como Leone reinventou todo o gênero Western.”11 diz Tarantino.

The Killing (Stanley Kubrick, 1956), um dos representantes máximos dessa safra de filmes policiais, é um dos filmes que guarda estreita relação com Cães de Aluguel (de fato, o próprio Tarantino confessa ser The Killing seu filme noir preferido12). Como em Cães de Aluguel, o filme de Kubrick narra a história de um assalto planejado e executado por um grupo de criminosos - no caso o alvo não é uma joalheria mas um hipódromo. Como em Cães de Aluguel, The Killing possui uma intrincada estrutura que joga com sucessivas manipulações temporais. Essas manipulações são sempre acompanhadas por uma voz over de um narrador neutro que orienta o espectador diante dos fatos da história ao mesmo tempo em que fornece ao filme um tom de documentário, espécie de cine-jornal que narra os fatos buscando a exatidão de um boletim policial. Como em Cães de Aluguel, cada flashback está relacionado a um dos personagens envolvidos no esquema do golpe. Temos uma situação de recorrência ligada ao momento crucial da ação que se dá em torno do 70 páreo da tarde. Partindo desse ponto central, Kubrick, que também assina o roteiro, opta por mostrar a trajetória de cada um desses personagens - até aquele momento central - em enfoques individualizados, e não de maneira simultânea, através de sucessivos flashbacks. Cada flashback esclarece uma parte da história. Como em Cães de Aluguel, todos os membros da gang acabam sendo mortos em um tiroteio que se dá entre eles, com exceção do líder, que vai preso.

Se em Cães de Aluguel Quentin Tarantino já provara sua habilidade de contador de histórias ao manipular o tempo dentro de uma ardilosa estrutura narrativa, nos moldes de seu mestre Stanley Kubrick, em seu projeto seguinte, Pulp Fiction, essa habilidade lhe permitiu ir mais adiante em suas experimentações com o tempo da história. Em Pulp Fiction observamos mais uma vez o artifício de recuos no tempo sendo posto em prática. Nesse caso específico, por uma característica estrutural, o termo flashback parece não se encaixar. O roteiro de Pulp Fiction trabalha com uma estrutura épica próxima a filmes como Nashville e Short Cuts, de Robert Altman, onde vemos quatro histórias paralelas nos sendo contadas de maneira sucessiva, e não simultânea como em Altman. Cada uma dessas histórias é composta por um casal de protagonistas. Temos (1) Pumpkin e Honey Bunny, um casal de namorados que de repente resolvem assaltar a lanchonete onde estão tomando café; (2) Vincent Vega e Jules Winnfield, uma dupla de matadores que saem para um acerto de contas; mais tarde iremos ver (3) Vincent e Mia Wallace, o matador agora servindo de companhia para a mulher do chefe; e por fim temos (4) Butch e Fabian, um lutador de boxe que está prestes a se aposentar, fugindo com a sua namorada após aplicar um golpe em Marsellus Wallace, chefe de Vincent e Jules, a quem havia prometido entregar uma luta em troca de dinheiro.

Utilizando um hábil recurso narrativo, o filme começa e termina na mesma hora e local: o interior de uma lanchonete em uma determinada manhã. No entanto, as cenas que ocorrem nesse local não se encontram nem no início e nem no fim da cadeia cronológica dos eventos apresentados. Organizadas de maneira linear, as cenas da lanchonete ocupariam o primeiro terço do tempo total da narrativa. Colocados os blocos de ação em sua ordem cronológica, teríamos o seguinte:


1. Vicent e Jules liquidam com um grupo de garotos que pretendiam roubar uma mala com mercadoria de Marsellus Wallace, homem para quem os matadores trabalham. Essa ação é marcada por um golpe de sorte que salva a vida de Vincent e Jules. Pegos de surpresa por um dos garotos do apartamento, que permanecera trancafiado no banheiro, os dois de repente se vêem no meio de uma saraivada de balas. No entanto, por absoluta falta de pontaria nenhum desses tiros chega de fato a acertá-los. Jules vê naquilo uma intervenção divina, um milagre. No caminho de volta, um disparo acidental, provocado por Vincent, manda pelos ares a cabeça de Marvin, uma espécie de ajudante da gang. Jules e Vincent seguem para a casa de Jimmie para resolver o caso. Após serem orientados por The Wolf, um amigo do chefe Marsellus, Vincent e Jules conseguem se livrar do corpo de Marvin e também do carro, ficando os dois a pé. No caminho de volta, os dois resolvem parar em uma lanchonete para tomarem um café.

2. Nessa mesma lanchonete, um casal de namorados, Pumpkin e Honey Bunny, inicia uma espécie de arrastão, roubando as carteiras de todos os freqüentadores do local. Nessa, acabam se defrontando com Jules que entrega sua carteira mas se recusa a entregar a mala de Marsellus Wallace, recuperada no início da história. Provando estar mais bem preparado do que Pumpkin no quesito violência, Jules reverte a situação a seu favor colocando Pumpkin sob a mira de seu revólver. Após algumas explicações sobre a nova conduta moral que pretende adotar, motivada pelo recente “milagre” que acredita ter presenciado, Jules entrega todo o seu dinheiro para os bandidos e os despacha. Na seqüência, Vincent e Jules vão até a um bar entregar a mala a Marsellus Wallace. No momento em que Vincent e Jules adentram o bar, Marsellus está orientando Butch Coolidge, um boxeador em fim de carreira que está sendo subornado para que entregue sua próxima luta.

3. No dia seguinte, Vincent passa na casa de um amigo traficante para comprar heroína. Em seguida, Vincent apanha Mia Wallace, mulher de Marsellus Wallace, seu chefe, a quem deverá servir de companhia por uma noite. Após jantarem em um restaurante temático, Mia acaba ingerindo, por acidente, uma overdose de heroína (a mesma heroína de Vincent que ela confundira com cocaína). Vincent é obrigado a recorrer ao amigo traficante que salva a vida de Mia após lhe aplicar uma injeção de adrenalina no peito.

4. Passa-se mais um dia e estamos no momento da luta de Butch, o boxeador que vimos antes conversando com Marsellus. Esse, ao invés de entregar o combate para o oponente, acaba o nocauteando até a morte com o intuito de ficar com o dinheiro das apostas. No meio da sua fuga, devidamente acompanhado por sua namorada Fabian, Butch dá pela falta de um relógio de ouro, objeto que tem valor puramente afetivo. Butch se vê obrigado a voltar ao seu antigo apartamento. Tendo recuperado o relógio, ação que também resulta na morte de Vincent que, por acaso, fazia guarda em seu apartamento, Butch cruza ainda com Marsellus Wallace, que passa atravessando a rua bem diante de seu carro enquanto ele aguarda o sinal. Butch joga o carro em cima de Marsellus mas acaba se envolvendo em um forte acidente ao atravessar a pista com o sinal vermelho. Embora grogue devido a atropelamento, Marsellus sai em perseguição a Butch que foge a pé abandonando o carro acidentado. A perseguição acaba dentro de uma loja de penhores onde os dois são rendidos pelo dono. Na companhia de um amigo policial, o dono da loja arrasta Butch e Marsellus para um porão onde então iniciam uma espécie de curra em série. Enquanto curram Marsellus, Butch dá um jeito de escapar. Antes de abandonar definitivamente o local, Butch resolve voltar para salvar o ex-desafeto. Completada sua ação heróica e reparadora, Butch e Marsellus selam um acordo e Butch, então, pode seguir viagem com a sua namorada.


Pela ordem do roteiro, a primeira cena que temos é a que mostra Pumpkin e Honey Bunny, os dois conversando na lanchonete. Na seqüência, retornamos no tempo para encontramos Jules e Vincent se dirigindo para o acerto de contas. A seqüência seguinte mostra Butch Coolidge recebendo o suborno de Marsellus Wallace para que entregue sua luta. Nesse momento vemos Vincent e Jules entrarem no mesmo local onde se encontram Butch e Marsellus. Um corte e vemos Vincent indo buscar Mia Wallace para seu passeio noturno. Desse ponto em diante as cenas do roteiro continuam sua evolução linear até o fim da história de Butch e seu relógio de ouro, quando então temos mais uma volta no tempo que irá mostrar o fim da história envolvendo Vincent e Jules. Retoma-se o momento da chacina no apartamento dos delinqüentes para depois termos as cenas subsequentes, que mostram o acidente envolvendo Vincent e Marvin no trajeto de volta, a resolução do problema comandada por The Wolf e, por fim, o encontro de Vincent e Jules com Pumpkin e Honey Bunny na lanchonete.

Embora essa manipulação temporal seja facilmente identificada, o que nos possibilita armar a ordem cronológica entre as seqüências, não podemos afirmar que em Pulp Fiction existam flashbacks. Se olharmos as 4 histórias separadamente veremos que todas elas apresentam uma evolução 100% linear. Em nenhum momento verificamos um retrocesso temporal durante o desenvolvimento de cada uma dessas histórias. O que faz com que percebamos esses recuos no tempo, no contexto da narrativa, é uma estratégia montada pelo narrador de estabelecer elos de conexão entre as histórias, mesmo que às vezes esses elos sejam sutis. Butch em algum momento cruza com Vincent e Jules que em algum momento cruzam com Pumpkin e Honey Bunny. Embora existam esses cruzamentos, todas as histórias evoluem em ordem de sucessão e não simultaneamente uma com a outra, o que facilita ao espectador acompanhar de modo separado o desenvolvimento de cada bloco de ação. Cada um desses blocos de ação formam como que capítulos à parte no corpo total da obra. Isso gera um efeito curioso. Vemos, em determinada altura do roteiro, Vincent Vega ser morto por Butch Coolidge no momento em que este consegue recuperar seu relógio de ouro. Nas seqüências finais do filme, Vincent irá reaparecer vivo junto com Jules. Vincent morre enquanto acompanhamos o desenrolar da história de Butch, onde Vincent é personagem secundário, poderia muito bem ser trocado por qualquer um dos capangas de Marsellus. A informação sobre a morte de Vincent não altera em nada o desdobramento da história subsequente, onde ele volta a se tornar personagem principal. Embora Vincent fosse personagem secundário dentro da história de Butch, seu reaparecimento nas cenas finais do filme não deixa de causar um certo embaraço nos espectadores. Tal embaraço não chega a desnorteá-los por completo e nem é essa a intenção, como explica o próprio diretor:


“Eu não acho que meus filmes sejam difíceis de se acompanhar. A única coisa necessária é que você tem que selar uma espécie de compromisso ao assisti-los, você tem que se envolver totalmente com eles. Eu não faço filmes para espectadores de ocasião. (...) Para mim, o mais importante é contar uma boa história. Minhas estruturas podem ser complexas, mas minhas histórias são muito simples.”13


Essa tendência em Tarantino de se embaralhar o tempo da história fica menos evidente em Jackie Brown, mas nem por isso desaparece por completo, como atesta a seqüência da troca de dinheiro, momento chave da trama onde Jackie coloca em prática sua armação, arquitetada juntamente com Max Cherry, que resulta em um considerável lucro financeiro para ela. Mais uma vez, Tarantino repete o recurso que vimos em The Killing de se mostrar várias vezes um mesmo momento da ação, apenas alterando os pontos de vistas, ao invés de misturar os enfoques em uma edição que simularia a simultaneidade. Fora a seqüência da troca de dinheiro, em Jackie Brown Tarantino confirma que também é capaz de se ater a uma evolução linear da ação, caso isso lhe pareça ser o melhor caminho de expor a história, conforme ele mesmo explica:


“Eu sinto orgulho do que fiz em Cães de Aluguel e Pulp Fiction. (...) Mas eu sempre disse que se a história for mais emocionante e mais envolvente contada de maneira linear, então eu vou contá-la desse jeito. Eu não vou embaralhá-la só para mostrar o quão inteligente eu sou.”14


Compromisso, palavra usada anteriormente por Tarantino, parece mesmo ser um termo adequado quando tratamos das estruturas narrativas dos roteiros desse diretor. De fato, uma das conseqüências mais imediatas desse desapego à linearidade é exigir uma maior concentração, por parte do espectador, durante o desenrolar da história. Conforme já dissemos, os esquemas temporais não são difíceis de se armar, existe uma cadeia lógica ligando todas as cenas o que faz com que cedo ou tarde acabemos por localizá-las dentro do contexto geral da história. Mas para que o espectador perceba o elo de ligação entre todos os acontecimentos é necessário, antes de tudo, atenção. Tarantino se recusa a entregar a história mastigada. Talvez esse seja um dos segredos que sustenta o prazer de se assistir a os seus filmes a cada nova exibição.


NOTAS

1. Em When you know you’re in good hands, Quentin Tarantino interviewed by Gavin Smith, revista FILM COMMENT, july-august 1994, vol. 30, #4.
2. Em When you know you’re in good hands, Quentin Tarantino interviewed by Gavin Smith, revista FILM COMMENT, july-august 1994, vol. 30, #4.
3. DEEMER, Charles, The Screenplays of Quentin Tarantino, revista Creative Screenwriting, Winter, 1994.
4. Em Answers First, Questions Later, An interview with Graham Fuller, introdução à TARANTINO, Quentin, Reservoir Dogs, Faber and Faber, London, Boston, 1994, p. xiii.
5. Entrevista com Quentin Tarantino por Leonardo Garcia Tsao, revista Dicine, #57, 1994.
6. TURIM, Maureen, Flashbacks in Film: memory & history, Routledge, New York & London, 1989, p. 4.
7. BORDWELL, David, STAIGER, Janet, THOMPSON, Kristin. The Classical Hollywood Cinema, film style & mode of production to 1960. London: Routledge, 1985, p. 42.
8. VALE, Eugene. Técnicas del Guion para Cine y Televisión. Barcelona: Gedisa, 1985, p. 52.
9. SWAIN, Dwight V.. Film Scriptwriting - a pratical manual. New York: Hastings House Publishers, 1976, p. 190.
10. HERMAN, Lewis, A Pratical Manual of Screenwriting for Theater and Television Films, New York: A Meridian Book, New American Library, 1952, p. 67.
11. Em X Offender, artigo de Sean O’Hagan, The Times Magazine, 15 October 1994, parte da coletânea Quentin Tarantino: the film geek files. WOODS, Paul A. (edit.). London: Plexus, 2000, p. 61.
12. Conforme relata em entrevista a Leonardo Garcia Tsao, revista Dicine, #57, 1994, ou é relatado por CLARKSON, Wensley. Quentin Tarantino - Shooting From The Hip. London: Piatkus, 1995, p. 64.
13. Em X Offender, artigo de Sean O’Hagan, The Times Magazine, 15 October 1994, parte da coletânea Quentin Tarantino: the film geek files. WOODS, Paul A. (edit.). London: Plexus, 2000, p. 66.
14. Method Writing: an interview with Quentin Tarantino, revista Creative Screenwriting, January/February 1998.

OFICINA ROTEIRO DE DOCUMENTÁRIO

ALGUNS MODELOS DE PROPOSTAS DE EDITAIS PARA REALIZAÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS

Rumos Itaú Cultural:

1. Descrição do conteúdo e concepção do documentário
2. Plano de realização com cronograma de atividades/produção
3. Orçamento estimado

disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2569
ascesso em 15/06/2006


FJN fundação Joaquim Nabuco

a sinopse e justificativa do projeto; o roteiro cinematográfico com previsão de estrutura, esboço dos textos de narração e/ou texto de pesquisa e/ou indicação de possíveis depoimentos e entrevistas; o orçamento detalhado e cronograma de realização do projeto em todas as suas etapas; e o currículo do diretor.


DOCTVIII

a) Proposta de Documentário
– 01 página
(Descreva a idéia cinematográfica/audiovisual do projeto de documentário. Essa idéia deve conter em si uma visão original sobre os fenômenos abordados. Não se trata de descrição do tema ou de sua importância. Ao descrever a proposta, o autor-proponente pode apontar documentários de seu conhecimento e/ou outras referências que tenham proposta semelhante.);
b) Eleição e Descrição do(s) Objeto(s)
– 05 linhas para cada Objeto
(O documentarista se relacionará com o que/quem para levar a cabo sua Proposta de documentário? Exemplos: personagens reais; produtos materiais e imateriais da ação humana; materiais de arquivo; manifestações da natureza etc.);
c) Eleição e Justificativa para a(s) Estratégia(s) de Abordagem
– 15 linhas para cada Estratégia de Abordagem
(Como o documentarista se relacionará com cada Objeto eleito? Exemplos: modalidades de entrevista; modalidades de relação da câmera com os personagens reais; reconstituição ficcional utilizando personagens reais; construção de paisagens sonoras e/ou imagens abstratas; introdução proposital de ruídos sonoros e/ou visuais; modalidades de locução sobre imagem; formas de tratamento dos materiais de arquivo sonoros e/ou visuais; etc. Justificativa de cada Abordagem descrita.);
d) Simulação da(s) Estratégia(s) de Abordagem (OPCIONAL)
– 01 página
(Imagens simulando proposta de captação e/ou edição de imagens, sugerindo possibilidades de enquadramento, de movimentação da câmera, e tratamento visual. Texto detalhando proposta de captação e/ou edição de sons, sugerindo propostas de foco sonoro, tratamento sonoro, utilização de ruídos e sons ambientes, e utilização de músicas como ilustração ou escrita. Não serão aceitos materiais audiovisuais de qualquer natureza, como cd, dvd, vhs etc.);
e) Sugestão de Estrutura
(Sugestão de estrutura do documentário a partir da(s) Estratégia(s) de Abordagem. Não se pretende a descrição definitiva do que será o documentário, e sim uma exposição de como o autor-proponente pretende organizar as Estratégias de Abordagem no corpo do filme. A apresentação pode ser feita livremente a partir de texto corrido ou blocado);
f) Plano de Produção e Cronograma Físico-financeiro
– Formulário Padrão;
g) Orçamento (com previsão de impostos)
– Formulário Padrão;

disponível em: http://www.tve.com.br/secoes/secao.php?cod=6
ascesso dia 15/06/2006
http://www.cultura.gov.br/upload/regulamentov11_1142375806.pdf


Petrobrás:

j) Em caso de filme documentário:
1. roteiro cinematográfico com previsão de estrutura,
2. esboço dos textos de narração e/ou texto de pesquisa e/ou indicação de possíveis depoimentos e entrevistas;
disponível em:
http://www2.petrobras.com.br/CulturaEsporte/portugues/SelecaoProjetos/petrobrascultural2006/index.htm
ascesso dia 15/06/2006.

LINK PARA ARTIGO: CASCADURA, UMA EXPERIÊNCIA RADICAL

Link para artigo Cascadura, uma experiência radical

http://www.negativoonline.com/artigos.aspx?id=41

ROTEIRO OFICINA ASSAOC VINHEDO 2008

ROTEIRO TÉCNICO DO CURTA METRAGEM: SONHANDO COM O INIMIGO
Roteiro escrito por alunos da oficina Teoria e Prática do Roteiro
ASSAOC, Secretaria Municipal de Cultura de Vinhedo SP, 2008

1. INT. CONSULTÓRIO SALA DE ESPERA - DIA

1.1 PG CONSULTÓRIO- NORBERTO (45 anos, calvo e gordinho) e LUCI (25 anos, atraente) estão na sala de espera de um consultório odontológico. Norberto observa o ambiente,

1.2 PM SECRETÁRIA e TELEFONE em destaque

1.3 PP Luci lê livros

1.4 PP Norberto Observa Luci por algum instante, boceja e, em seguida, pega no sono.

2. EXT. DESERTO - DIA

2.1 PM LUCI com a cabeça para fora da diligência gritando

2.2 PM VILÃO controla as rédeas do cavalo

2.3 PM NORBERTO sobre cavalo. NORBERTO pula sobre a diligência.

2.4 PM DE CONJUNTO NORBERTO e VILÃO se atracando. Após atracar-se com o VILÃO, NORBERTO joga-o para fora da diligência e vence a briga e pára a diligência.

2.5 PM NORBERTO e LUCI, no momento em que vai beijá-la (telefone toca)

3. INT. CONSULTÓRIO SALA DE ESPERA - DIA

Norberto acorda assustado com o som do telefone da secretária, observa Luci e dorme novamente.

4. EXT. BECO- NOITE

Norberto está em um beco escuro, cheio de lixo quando aproxima-se de Luci, que está nos braços do vilão. Norberto dispara sua arma, atingindo o vilão no ombro, que foge desaparecendo nas sombras. Ao aproximar-se da mocinha para beija-la, Norberto é acordado pelo SOM DA BANDEJA do consultório que cai no chão.

5. INT. CONSULTÓRIO SALA DE ESPERA - DIA

Norberto acorda mais uma vez assustado, olha para a COPEIRA que recolhe os utensílios e volta a observar Luci, que continua ao seu lado. Ele cai no sono novamente.

6. EXT. CASTELO- DIA

Norberto está trajando capa e espada. Na entrada do castelo, ele avista a mocinha que está sendo ameaçada pelo vilão no alto da torre. Norberto sobe as escadarias, duela com floretes, desarma o inimigo, que, covardemente, se joga ao abismo. No momento em que vai beijar a mocinha, ele novamente é surpreendido.

SECRETÁRIA
(OFF)
Seu Norberto...

7. INT. CONSULTÓRIO/SALA DO DENTISTA - DIA

Norberto acorda assustado, levanta-se e dirigi-se à

8. SALA DO DENTISTA

Norberto, acompanhado pela secretária, deita-se na cadeira. O dentista está de costas preparando as ferramentas de trabalho. O dentista pega o motor e se vira para Norberto. Para o desespero de Norberto, trata-se do mesmo vilão das histórias de seu sonho.

NORBERTO
(gritando)
Ahhhhhhhh!!!


FIM

ROTEIRO PROJETO LOUCO PARA FILMAR?, ZANGÁ FILMES, 2002

“Entre picadeiros”
Roteiro escrito por alunos da oficina LOUCO PARA FILMAR?, Zangá Filmes, 2002.
Prêmio melhor curta (júri popular) e melhor roteiro VII Mostra de Cinema Super 8 de Campinas.


Cena 1: interna, quarto 1, noite.
Homem e mulher entrando no quarto. Quarto simples com cama de casal, escrivaninha e máquina de escrever. Mulher brava, tagarelando, xingando o marido sem parar. Homem cabisbaixo, com um nariz de palhaço.

Mulher:
Você pensa o que dessa vida? Pensa que vai ganhar dinheiro fazendo essas palhaçadas? Pensa que isso sustenta uma família? Clown não dá dinheiro não...Eu devia estar louca quando me casei com você...um verdadeiro palhaço! Você merece mesmo esse nariz. Merece! Que idiota eu fui. Você me disse que fazia novelas...novelas Moacir...novela das 8. Coisa chique, famosa...tudo que eu queria! Se eu soubesse que você queria ser mesmo um comediante... Agora fica descontando toda sua frustração em mim. Fazendo palhaçada por todo lugar, na frente de qualquer pessoa, na frente de nossos amigos, minha família, aí meu Deus! Eu não tenho culpa se novela é o que dá dinheiro! Ouviu?! Eu não tenho culpa! Se quiser fazer suas palhaçadas, que sejam, te aviso Moacir, que sejam longe de mim...Você me envergonha! Eu não agüento mais!

A mulher continua no quarto. Andando de um lado para outro, apontando o dedo na cara do homem. Seus xingos se transformam em ruídos, um bla-bla-bla no fundo da cena.

O Homem se dirige para sua escrivaninha, tira seu nariz e começa a escrever sua novela das 8. Close na máquina, enfatizando a frase: “Eu não agüento mais!”

Cena 2: interna, quarto 2 de motel, noite.
Quarto simples com cama de casal e espelho nas paredes.

Mulher
Estão dizendo por aí que você me traiu. Isso é verdade? Você não me ama mais? Você me traiu? Eu não agüento mais essa sua fama de garanhão...você olha para todas as mulheres que passam pelo seu caminho. Você olhou até para minha melhor amiga...assim não dá...

Homem
Não liga pra isso não meu amor. Boatos..somente boatos... Oh meu amor, eu te amo...vem cá vai, me dá um beijinho que eu to com saudades...você é minha vida!

Mulher abraça homem. Felizes os dois estão abraçados e depois de mãos dadas começam a rodar, dançar pelo quarto.

Mulher e homem continuam dançando pelo quarto. O casal roda e depois disso o homem aparece com o nariz de palhaço.

A câmera vai fechando em seu rosto e ele aos poucos vai ficando triste, desfazendo o sorriso.
Fusão para...

Cena3: quarto 1, interna, noite.
A câmara começa a se abrir, passando a mostrar novamente o homem na escrivaninha,em seu quarto (1) com a mulher atrás ainda xingando, sonorizado pelo bla-bla-bla...

Close no homem com o nariz. Triste, cabisbaixo, infeliz. Cara de saco cheio!
Ele tira o nariz de palhaço, se concentra na sua máquina de escrever e digita algo (barulho de máquina escrevendo). Close em seu rosto, sem mostrar o que ele escreve. Então ele se levanta, sai de cena, deixando a escrivaninha vazia.

Close então na máquina mostrando a frase que ele escreveu:

TEXTO
“Eu não agüento mais!”

Após isso, uma mão qualquer retira o texto da máquina, amassa e joga o papel no lixo.

Fim


Sinopse: “Entre picadeiros”

Um roteirista de novela das 8 encontra-se frustrado e num grande dilema na sua vida. As novelas que escreve são cheias de clichês e fazem sucesso. Por essa profissão o roteirista vive bem financeiramente e tem uma esposa acostumada a esse padrão de vida. Porém, o desejo do roteirista é ser comediante, brincar e rir da vida, de si mesmo, desenvolver seu clown. Por não conseguir viver disso, o roteirista vive de suas novelas e quando não está escrevendo, está zombando da vida. O relacionamento com sua mulher está em crise.Sua esposa não o agüenta mais... E ele não agüenta mais viver esse dilema

ROTEIRO CURTA FICÇÃO OFICINA BEM-TE-VI 2007

ROTEIRO CURTA-METRAGEM
ESCRITO POR ALUNOS DA OFICINA FICÇÃO, PROJETO BEM-TE-VI, CAMPINAS 2007

Título: Triângulo Amoroso

1. EXTERNA – BOSQUE - DIA

LAURA, 16 anos, está sentada em um banco do bosque lendo uma revista.
GABY, 18 anos, passa por Laura falando ao celular. Gaby pára próxima a Laura, olha para Laura como se a reconhecesse. Após um instante de exitação:

GABY: Laura?

LAURA: (olha para Gaby) Gaby!!!

Laura deixa a revista de lado e salta para abraçar Gaby calorosamente.

GABY: Quanto tempo!

LAURA: Você sumiu!

GABY: Pois é, muito trabalho...

LAURA: Nem me fale, eu também estou estudando bastante.

Gaby e Laura se sentam no banco.

LAURA: Nossa! Você não vai acreditar, eu estou super apaixonada!

GABY: Que bom! E quem é o felizardo?

LAURA: Ah, o Rick.

GABY: Até nisso nós somos parecidas...

LAURA: Não me diga que você também está apaixonada...

Gaby faz que sim com a cabeça.
As duas se abraçam novamente.

GABY: O nome dele é Renner.

LAURA: Você vai ter a chance de conhecer o Rick.

GABY: Jura!

LAURA: Estou esperando o Rick há um tempão...

GABY: Quanto tempo?

LAURA: (olhando para o seu relógio) Dois minutos.

GABY: Só dois minutos?

LAURA: (pega seu celular) Será que eu ligo para ele?

GABY: Espera um pouco, ele deve estar se arrumando ainda. Vamos conversar.

Laura se levanta agitada.

LAURA: (sem prestar muita atenção em Gaby, falando só por falar) E aí, como você está?

GABY: Deixa eu te falar do Renner!

LAURA: Renner? Quê Renner?

GABY: Meu namorado!

LAURA: Você ta namorando?

GABY: Eu já te disse!

LAURA: Ah é, desculpa (volta a se sentar).

GABY: O Renner é tão fofo...

LAURA: O Rick também, só que não é pontual.

GABY: O Renner nunca me deu bolo.

LAURA: Mas o Rick tem outras qualidades. Ele é muito descontraído.

GABY: Ah, o Renner é meio tímido.

LAURA: O Rick é muito orgulhoso.

GABY: O Renner é bem humilde.

LAURA: Ah, mas essa demora, agora eu vou ligar.

2. EXT. BOSQUE – DIA

Uma seqüência de vários planos curtos mostrando as duas em diferentes posições para marcar passagem de tempo.

3. EXT. BOSQUE – DIA

Laura e Gaby continuam sentadas no banco. Cara de desânimo das duas.

LAURA: Eu não acredito! Já faz quase uma hora!

GABY: Acho que o teu namorado te deu bolo.

Pausa.

GABY: Acho que eu vou embora.

LAURA: Espera um pouco!

GABY: Não vai dar, acabou meu horário de almoço, tenho que trabalhar.

LAURA: (após pensar um instante, desconsolada) É, acho melhor ir embora também. Deve ter acontecido alguma coisa com o Rick. Ele nunca fez isso comigo...

As duas se levantam e se abraçam para despedir.
De repente, ainda estando abraçadas, Laura abre um enorme sorriso.

LAURA: (falando alto e feliz) Rick!!!

RICK vem em sua direção.
Gaby se vira para olhar para Rick.

GABY: (falando alto e brava) Renner?...

Rick pára de repente.
Laura olha para Gaby sem entender nada.

LAURA: (para Gaby) Como assim?...

GABY: (para Laura) Esse é o meu Renner!

LAURA: (para Gaby) Não, esse é o meu Rick!

As duas olham para Rick/Renner.
Rick/Renner com um sorrisinho maroto no rosto.
As duas voltam a se olhar. Após um breve instante, as duas se dão conta da trapaça do namorado, olham para Rick/Renner enfurecidas.
Percebendo o enrosco em que se meteu, Rick/Renner corre desesperadamente dali.
Laura e Gaby iniciam perseguição.
No meio do caminho, as duas param ao mesmo tempo. Uma olha para a outra, sorriem e saem caminhando de mãos dadas na direção oposta de Rick/Renner.

FIM

OFICINA ANÁLISE DE ROTEIROS


ESTRUTURAS DE ANÁLISE (PEÇA, ROTEIRO)

  1. contexto peça – autor e época
  2. estilo e gênero
  3. ação principal, idéia central. Unidade de ação, entrelaçamento das ações. Estrutura
  4. personagens: os principais, sua importância, objetivos, vontade e determinações
  5. obstáculos enfrentados, conflito. Conflito principal, conflitos internos
  6. modo de caracterização dos personagens
  7. situações dramáticas
  8. funções dos personagens
  9. adequação dos meios empregados pelo autor ao fim proposto, tema da peça, eficiência comunicação

2° modelo (Resumo tópicos principais)

  1. estudar conflitos

conflito principal

demais conflitos

evolução conflito

vontades e objetivos

conflitos internos

relação entre conflitos e unidades

  1. ação dramática

identificar ação principal

ações secundárias

unidade de ação

estilo autor – estrutura dramática, artifícios narrativos...


Resumo de material encontrado em:

Pallottini, Renata. Dramaturgia: Construção do Personagem. São Paulo: Editora Ática, , 1989.



NARRAÇÃO: TÓPICOS DE ANÁLISE

Estrutura narrativa (linear, não linear)

Flash-Back, Flash-Foward e conseqüências

Apresentação (exposição), confrontação (desenvolvimento) e resolução (desfecho),

como são trabalhadas no roteiro essas três etapas

Tipos de cenas, cenas dramáticas (desenvolvem conflitos?), cenas de transição,

cenas de descrição...

Tempo das cenas, transições espaciais e temporais entre as cenas

Relação entre cenas e seqüências, estão amarradas por uma única ação (unidade de

ação), ou desenvolvem várias ações sem relação entre elas (estrutura épica)

Pontos de virada (quantos, quais?)

Pontos de vista da narração (foco narrativo)

Jean Pouillon (3 tipos):

Visão por trás (narrador onisciente, lê tudo o que se passa na cabeça dos

personagens)

Visão com (narração centrada em um personagem)

Visão de fora (ação vista do exterior, mais objetiva)

Gerard Genette:

Focalização zero (narrador sabe mais que personagens, lê todos os pensamentos)

Focalização interna (narrador sabe apenas o que um determinado personagem sabe)

Focalização externa (visão de fora, mais objetiva)